Projetos
2014
Interventor [Projeto]
intervenção realizada no beco do pinto, museu da cidade
Como que contradizendo a lógica imposta pelos conjuntos arquitetônicos que formam a avenida paulista, o MASP ainda resiste, em alguma medida, como proponente de uma relação não excludente com os espaço da cidade. O vão livre, funcionando em diálogo com o corpo suspenso, é um de nossos vazios físicos mais carregados de significado político: uma praça pública prensada entre monolitos padronizados erguidos em homenagem à sua própria inacessibilidade. Como bem define Marcelo Ferraz, “A conquista do ‘nada’, como dizia Lina, ou o desejo de liberdade. Lina sempre se referia ao comentário do compositor John Cage quando viu pela primeira vez o MASP: ‘É a arquitetura da liberdade!’”.
E resiste apesar dos arremedos impostos ao projeto, e que visam seu isolamento quanto ao entorno urbano. A pressão para cercar de vez a área do Museu atenta para que contraditoriamente evite sua razão primeira e abra mão de sua especificidade enquanto proposição arquitetônica. O projeto de Lina Bo Bardi é a materialização de uma solução de compromisso entre acervo de arte e seu público. Público este que só pode tomar seu lugar na medida em que puder viver a inteligência do projeto.
Uma escada que deságua diretamente no interior do museu, em um saguão articulador de seu programa, capturava antes o passante, quer este o reconhecesse ou não como patrimônio fundamental da cidade, quer se interessasse de antemão ou não por seu conteúdo. Novamente na descrição de Ferraz, “ao descermos ao subsolo, como em uma estação de metrô, em vez da escuridão, da falta de ar, encontramos a luz, cristalina, filtrada pelo verde das floreiras, e a vista livre sobre o vale. Isso se deve à inteligente e bem acertada implantação do edifício na paisagem”. Hoje a escada está fechada para evitar o passante, que deve ladear um biombo de vidro temperado até a bilheteria, o detector de metais e o guarda volumes, tudo o que antes se acomodava já dentro do edifício, a salvo de vento e chuva, o que colocava para o visitante a obrigação de estar em um espaço cultural e dar lhe o devido respeito.
Novamente Ferraz: “se subimos do nível da avenida Paulista, do enorme vão livre, para a caixa suspensa, encontramos ainda aí, e com força total, a vontade de liberdade: um grande ‘oceano de pinturas’. Os quadros se libertam das paredes e flutuam em cavaletes de concreto e vidro utilizados como suporte/expositor”. É preciso que voltemos a olhar para a foto do espaço expositivo em que obras pairavam suspensas em conversa constante, projeto que pôde propor uma solução de leveza possível ao enigma anunciado em outra foto, a de um Malraux que observa um mundo de imagens descoladas da fisicalidade já não mais garantida pela experiência do museu tradicional em crise.
Encontrar no lugar desta solução o conjunto atual de paredes cenográficas que poderiam estar em qualquer lugar (e que portanto não o defendem) é se deparar com uma situação em que, por falta de memória, só nos restou o espaço abstrato proporcionado pela expografia de eventos mais do que temporários. O lugar de experiência proposto pelo projeto de Lina, em que arte, vida e arquitetura se encontravam, foi deposto em favor de uma forma requentada da experiência do museu fechado, sem respiro, sem fala.
Por que por falta de memória? Por que se esquece a razão e a vocação que dá significado a um espaço público: a troca de saberes entre os agentes. Por que se esquece de soluções que mantinham o problema aberto em respeito às contradições características de diálogos francos, em oposição a uma resposta final que garanta uma mediocridade funcionária.
Não se trata de uma defesa do passado contra demandas atuais. Trata-se de entender que o projeto do Masp é ainda revolucionário, ou ainda mais revolucionário hoje do que em sua inauguração. Mesmo aceitando o argumento de que o museu, enquanto instituição conservadora, deveria aprender a esquecer, é sintomático de nossa cultura de ideias fora de lugar que tenhamos esquecido justamente nosso momento mais pungente em termos de projeto expositivo.
Como numa operação de contradição de formas que em tensão assumem outros significados imprevistos, a forma de uma peça de interdição de estabelecimentos usada pela prefeitura ganha o princípio de funcionamento do suporte expositivo de Lina. O vidro necessário para sustentação das obras, aqui será o vidro que hoje é usado como cerca. A cunha de madeira que serve de calço permanece, dando apoio ao vidro que corta o concreto. Ambos se emprestarão elementos mutuamente, potencializando o estranhamento de suas formas. Em tensão clara, a interdição e passagem, o olhar que atravessa e o corpo que interdita.
gilberto mariotti
Como que contradizendo a lógica imposta pelos conjuntos arquitetônicos que formam a avenida paulista, o MASP ainda resiste, em alguma medida, como proponente de uma relação não excludente com os espaço da cidade. O vão livre, funcionando em diálogo com o corpo suspenso, é um de nossos vazios físicos mais carregados de significado político: uma praça pública prensada entre monolitos padronizados erguidos em homenagem à sua própria inacessibilidade. Como bem define Marcelo Ferraz, “A conquista do ‘nada’, como dizia Lina, ou o desejo de liberdade. Lina sempre se referia ao comentário do compositor John Cage quando viu pela primeira vez o MASP: ‘É a arquitetura da liberdade!’”.
E resiste apesar dos arremedos impostos ao projeto, e que visam seu isolamento quanto ao entorno urbano. A pressão para cercar de vez a área do Museu atenta para que contraditoriamente evite sua razão primeira e abra mão de sua especificidade enquanto proposição arquitetônica. O projeto de Lina Bo Bardi é a materialização de uma solução de compromisso entre acervo de arte e seu público. Público este que só pode tomar seu lugar na medida em que puder viver a inteligência do projeto.
Uma escada que deságua diretamente no interior do museu, em um saguão articulador de seu programa, capturava antes o passante, quer este o reconhecesse ou não como patrimônio fundamental da cidade, quer se interessasse de antemão ou não por seu conteúdo. Novamente na descrição de Ferraz, “ao descermos ao subsolo, como em uma estação de metrô, em vez da escuridão, da falta de ar, encontramos a luz, cristalina, filtrada pelo verde das floreiras, e a vista livre sobre o vale. Isso se deve à inteligente e bem acertada implantação do edifício na paisagem”. Hoje a escada está fechada para evitar o passante, que deve ladear um biombo de vidro temperado até a bilheteria, o detector de metais e o guarda volumes, tudo o que antes se acomodava já dentro do edifício, a salvo de vento e chuva, o que colocava para o visitante a obrigação de estar em um espaço cultural e dar lhe o devido respeito.
Novamente Ferraz: “se subimos do nível da avenida Paulista, do enorme vão livre, para a caixa suspensa, encontramos ainda aí, e com força total, a vontade de liberdade: um grande ‘oceano de pinturas’. Os quadros se libertam das paredes e flutuam em cavaletes de concreto e vidro utilizados como suporte/expositor”. É preciso que voltemos a olhar para a foto do espaço expositivo em que obras pairavam suspensas em conversa constante, projeto que pôde propor uma solução de leveza possível ao enigma anunciado em outra foto, a de um Malraux que observa um mundo de imagens descoladas da fisicalidade já não mais garantida pela experiência do museu tradicional em crise.
Encontrar no lugar desta solução o conjunto atual de paredes cenográficas que poderiam estar em qualquer lugar (e que portanto não o defendem) é se deparar com uma situação em que, por falta de memória, só nos restou o espaço abstrato proporcionado pela expografia de eventos mais do que temporários. O lugar de experiência proposto pelo projeto de Lina, em que arte, vida e arquitetura se encontravam, foi deposto em favor de uma forma requentada da experiência do museu fechado, sem respiro, sem fala.
Por que por falta de memória? Por que se esquece a razão e a vocação que dá significado a um espaço público: a troca de saberes entre os agentes. Por que se esquece de soluções que mantinham o problema aberto em respeito às contradições características de diálogos francos, em oposição a uma resposta final que garanta uma mediocridade funcionária.
Não se trata de uma defesa do passado contra demandas atuais. Trata-se de entender que o projeto do Masp é ainda revolucionário, ou ainda mais revolucionário hoje do que em sua inauguração. Mesmo aceitando o argumento de que o museu, enquanto instituição conservadora, deveria aprender a esquecer, é sintomático de nossa cultura de ideias fora de lugar que tenhamos esquecido justamente nosso momento mais pungente em termos de projeto expositivo.
Como numa operação de contradição de formas que em tensão assumem outros significados imprevistos, a forma de uma peça de interdição de estabelecimentos usada pela prefeitura ganha o princípio de funcionamento do suporte expositivo de Lina. O vidro necessário para sustentação das obras, aqui será o vidro que hoje é usado como cerca. A cunha de madeira que serve de calço permanece, dando apoio ao vidro que corta o concreto. Ambos se emprestarão elementos mutuamente, potencializando o estranhamento de suas formas. Em tensão clara, a interdição e passagem, o olhar que atravessa e o corpo que interdita.
gilberto mariotti