Projetos

2004

Workplace-werkplaza
 
instalação (conjuntos de ripas de madeira dispostas como tripalios e pintura com resina semi transparente brilhante) em espaço workplace, em parceria com carlos pires, curadoria guy amado.


1. Relato


De início, fomos chamados como dois artistas, Carlos Pires e eu, que fariam duas exposições. Só aceitei o convite quando soube que poderíamos desenvolver em conjunto algo que ocupasse todo o espaço das duas salas contíguas reservadas aos eventos. Mais do que trabalhar com alguém com quem poderia discutir, tratava-se de descolar-se de um padrão incômodo de formato expositivo que havia se tornado comum: espaços previamente delimitados a serem preenchidos por algumas peças no chão ou na parede, acompanhadas de etiqueta e créditos. O curador era um amigo em comum, e haveria algum dinheiro para a produção do trabalho. Aceitamos.


1.1

Chegamos ao edifício ao mesmo tempo em que o poder público retirava do bairro seu maquinário. A Rua Funchal havia sido reformulada, aberta em toda sua extensão, e suas calçadas ainda esperavam acabamento que voltasse a cobrir as tubulações de esgoto. A frente do Workplace era um grande buraco revirado, em parte coberto por tapumes que possibilitavam o acesso à entrada principal. Isso, no entanto, não parecia alterar em nada a relação do prédio e seu entorno. Sua entrada, que dispõe de catracas e um mezanino que abriga o pessoal da segurança, não parecia convidar o pedestre ao espaço interior. Servia apenas de filtro para as empresas que ocupam seus conjuntos. Um destes conjuntos, no entanto, havia sido reservado temporariamente para exposições periódicas: o Espaço ArteNexo, criado a partir da lei Mendonça de incentivo fiscal.


Todo o entorno urbanístico do edifício (localização) poderia ser lido como um discurso razoavelmente coeso, formado a partir de um padrão repetido pelos nomes que vários empreendimentos similares a este tinham em comum, compostos por um uso indiscriminado de meia dúzia de termos banais em línguas estrangeiras, e que recombinados, compunham novos nomes: Workplace, Shoppingplace, Shoppingplaza etc. Talvez Carlos nem se lembre disso, mas em algum ponto da elaboração do trabalho, passamos a trocar randomicamente os termos por outros, em outras línguas, ironizando sua aleatoriedade. Daí veio o nome que resolvi oficializar quando elaborava o projeto de mestrado, por achar que funcionava como um rebatimento revelador deste tipo de apropriação: Workplace/Werkplaza.


1.2.


De antemão nos pediram que resolvêssemos o folder. “Resolver o folder” significava fornecer as reproduções dos trabalhos que seriam expostos. Havíamos optado por entender primeiro os contextos que envolviam Workplace, e desenvolver, a partir de alguma discussão, um trabalho que, neste ponto do processo, tinha resultados imprevisíveis. Logo, não faria sentido trabalhar com a hipótese de um registro fotográfico que viesse antes da abertura da exposição. Mas a burocracia do processo nos obrigava, senão a fornecer reproduções, ao menos formatar o folder previamente, para que estivesse pronto para a abertura. E foi o que fizemos. Foi-nos dado como referência um folder feito para o programa de exposições anteriores. Um pequeno bloco retangular, com uma aba na extremidade que servia para lacrá-lo, possibilitando seu envio pelo correio. Foi Carlos que associou o formato externo do impresso ao carnê que recebia todos os meses para o pagamento de um apartamento financiado. E isto nos levou diretamente ao vínculo do espaço expositivo com seu financiamento pela lei de incentivo fiscal. Assim, as páginas internas do folder foram recompostas como as folhas destacáveis para o pagamento em vias, típicas dos carnês utilizados para o pagamento do IPTU, Imposto Predial Territorial Urbano. Os dizeres que indicam o conteúdo a ser preenchido nos caixilhos que compõem a página foram substituídos por trechos extraídos de Mínima Morália, de T. Adorno. 


Nota: O folder, em seu formato original, pode ser visto em Anexo.



Este primeiro resultado não pretendia ser um trabalho autônomo, nem sequer parte do que pensávamos em realizar como intervenção. Mesmo assim serviu de base para nossa organização enquanto dupla de trabalho que propunha colaborações aos demais envolvidos. O programador visual foi chamado a repensar a diagramação e o curador elaborou o texto, que obrigatoriamente deveria integrar o folder, a partir das demandas conceituais deste novo formato. Colocava-se como um primeiro posicionamento sobre a natureza daquele espaço, fundado pela possibilidade de otimização do aproveitamento de tributos.


Até então eu não dava tanta importância ao papel desempenhado pela lei como parte do contexto que tentávamos desvendar, a ponto de investigar suas formas jurídicas. Nosso foco conceitual era como imperava ali uma idéia de trabalho que parecia engolir e adaptar algumas possibilidades de intervenção, já que havia se aberto naquela estrutura um espaço reservado ao produto cultural que seria apropriado simbolicamente pelo sistema de valores que representa aquela arquitetura. Ou seja, inicialmente havia a percepção deste edifício como uma metáfora da relação entre cultura e arte em sua dinâmica mais recente.