projetos
2018
lacuna
projeto para o espaço comum interno do centro cultural universitario tlatelolco, para concurso internacional por convite intervención tlatelolco 68-18, curadoria para proposição de vinicius spricigo.
Lacuna pretende possibilitar, por meio da materialidade de uma construção arquitetônica, uma experiência da dimensão simbólica da falta, da sobreposição de diferentes temporalidades históricas e, sem prejuízo a isto, da potência de transformação política ligada ao deslocamento espacial.
Objetivamente, trata-se de um corte geometricamente desenhado em forma de L no chão do pátio reservado à intervenção. Dentro desta abertura, uma escada que desce ao plano do pavimento inferior, para novamente subir ao pátio.
Ao mesmo tempo em que esta escada oferece ao participante a possibilidade de deslocamento entre níveis, em um trajeto de descida e subida, também funciona como um sistema de escoamento de água para o pátio. Cada degrau é ao mesmo tempo apoio e ralo, que faz desaguar a água em uma caixa de recepção abaixo do piso.
O trajeto possível para o corpo que interage com o monumento é o de uma descida até este piso/ralo, o plano mais baixo que recebe o fluxo de água e de pessoas, seguido de uma subida equivalente, que o joga novamente à realidade que se apresenta no espaço público comum, como numa incursão arqueológica que promete uma visão do passado, mas que nos entrega mais acordados para o lugar que ocupamos.
Deste modo, Lacuna nos possibilita a tomada de uma postura reflexiva quanto às próprias possibilidades de representação do desaparecimento, na medida em que não pretende tornar visível o que já não se encontra presente, mas sim propor ao participante que, por meio de um limitado mas significativo deslocamento no tempo e no espaço, construa uma percepção de seu próprio lugar em dinâmicas políticas (aqui representadas mais diretamente pelo espaço comum) e temporalidades históricas em que eventos como o massacre dos estudantes em Tlatelolco ocorrem.
Para tanto alguns materiais e métodos ou procedimentos se fazem sentir tanto no que carregam de simbólico, quanto em como no plano da funcionalidade arquitetônica: de cada lado da escada que corta o chão, uma mureta em ângulo protege os passantes no plano do pátio da queda no vão aberto, ao mesmo tempo em que cria a sensação visual de continuidade entre os lados, sendo revestidas as muretas e as paredes internas da escada pela mesma lajota que recobre todo o piso do pátio.
O projeto Lacuna também propõe, em diálogo com a construção da intervenção arquitetônica propriamente dita, o desenvolvimento de um plano de comunicação e design para o entorno do Centro Universitário e outros pontos da cidade do México que se utilize de estratégias representativas do embate visual e gráfico ocorrido entre o projeto de comunicação e design para as Olimpíadas de 1968 comissionado pelo Estado e suas apropriações feitas pelo movimento estudantil, retomando a importância dos cartazes e referências visuais surgidas naquele momento.
Lacuna se dirige diretamente ao acontecimento específico do massacre dos estudantes ocorrido em 1968 na praça de Tlatelolco, articulando características deste evento bem referenciadas nos materiais e fontes históricas disponíveis, fotografias, relatos, vídeos, e textos. Ainda que seja assim, realizar uma simples busca pelo evento em sites de pesquisa comuns pode nos levar a um caminho em que se passa por diversos lugares de características singulares, mas que reconhecemos como familiares, próximos e de uma cultura comum. Há de mais prontamente reconhecível uma variação de escala, feita de números que variam, entre eventos da mesma natureza, em que procedimentos se repetem. Ler e ver o material produzido sobre estes eventos se assemelha a uma escavação permanente. A memória é espaço construído coletivamente. Todo este material histórico parece se opor, visualmente falando, a uma estética modernista que atua de forma articulada para a construção de uma nova leitura da cultura Mexicana pelos visitantes estrangeiros: o discurso arquitetônico e o design que se impõe como nova marca identitária comissionada pelo poder vigente. Hoje esta estética aponta para um passado de realização, mas em contraste com a marca da violência que é pressuposta à realização dos ideias de progresso. Deste modo parece lógico que retomemos este apontamento de intenções para um futuro perdido, hoje representante de um passado que suscita a nostalgia deste tempo promissor. A ideia de progresso demanda a obliteração de conflitos internos característicos de qualquer organização social e o projeto de comunicação para as Olimpíadas, assim como o design produzido para e a partir do evento assumiu a tarefa de dar visualidade a esta ideia. Daí a proposta de aliar a intervenção arquitetônica propriamente dita a um plano de comunicação que dê visibilidade ao conflito entre o plano oficial e suas resistências, e às contradições entre interesses e movimentos que estão no cerne dos acontecimentos históricos. Ou seja, pensar o espaço físico do Centro Universitário, e de seu entorno como um ponto de inflexão deste complexo de conflitos e lutas, fazendo-o dialogar com um plano de ações diretas nas mídias usadas pela comunicação oficial, abrindo brecha neste sistema para o contra discurso dos estudantes e população organizada politicamente.
Simbolicamente, adentrar a terra, o chão, está associado a retornar ao passado, ter acesso a o que foi enterrado, escondido, transpassar o limite entre o mundo dos vivos e dos mortos. A forma desta escada/dreno também remete à do altar de sacrifícios, e o escoar das águas aponta para a passagem permanente do tempo histórico, mas peculiarmente para a síntese destas temporalidades. A promessa, no entanto, das formas místicas, é a de transposição entre mundos, do ir além, de ultrapassar a linha que nos limita fisicamente. O movimento desta escada específica nos leva de volta a este mesmo presente que contém a todas as variáveis, a um tempo não linear, feito de todas as repetições, ao plano do real político que articula todas as possibilidades.
A ocupação do espaço do pátio do CCUT`s para o qual se propõe a intervenção é formado pelo vazio entre volumes de construções e o projeto faz referencia à posição ocupada pela massa de estudantes quando do massacre. O L desenhado pela escada que corta o chão do pátio nesta proposição remete justamente ao trajeto dos projeteis disparados em fogo cruzado, mas a forma em L também se presta de modo muito eficiente ao deslocamento do corpo do participante: perfazer o trajeto em L significa para quem desce ou sobe não ter acesso visual ao movimento subseqüente, e deste modo não antever o momento seguinte. É preciso seguir até o fundo da composição para então encontrar o caminho de volta. Algo mais forte quando percebido ou vivido, do que quando se relata.
desenhos técnicos: victor pissaia.
Lacuna pretende possibilitar, por meio da materialidade de uma construção arquitetônica, uma experiência da dimensão simbólica da falta, da sobreposição de diferentes temporalidades históricas e, sem prejuízo a isto, da potência de transformação política ligada ao deslocamento espacial.
Objetivamente, trata-se de um corte geometricamente desenhado em forma de L no chão do pátio reservado à intervenção. Dentro desta abertura, uma escada que desce ao plano do pavimento inferior, para novamente subir ao pátio.
Ao mesmo tempo em que esta escada oferece ao participante a possibilidade de deslocamento entre níveis, em um trajeto de descida e subida, também funciona como um sistema de escoamento de água para o pátio. Cada degrau é ao mesmo tempo apoio e ralo, que faz desaguar a água em uma caixa de recepção abaixo do piso.
O trajeto possível para o corpo que interage com o monumento é o de uma descida até este piso/ralo, o plano mais baixo que recebe o fluxo de água e de pessoas, seguido de uma subida equivalente, que o joga novamente à realidade que se apresenta no espaço público comum, como numa incursão arqueológica que promete uma visão do passado, mas que nos entrega mais acordados para o lugar que ocupamos.
Deste modo, Lacuna nos possibilita a tomada de uma postura reflexiva quanto às próprias possibilidades de representação do desaparecimento, na medida em que não pretende tornar visível o que já não se encontra presente, mas sim propor ao participante que, por meio de um limitado mas significativo deslocamento no tempo e no espaço, construa uma percepção de seu próprio lugar em dinâmicas políticas (aqui representadas mais diretamente pelo espaço comum) e temporalidades históricas em que eventos como o massacre dos estudantes em Tlatelolco ocorrem.
Para tanto alguns materiais e métodos ou procedimentos se fazem sentir tanto no que carregam de simbólico, quanto em como no plano da funcionalidade arquitetônica: de cada lado da escada que corta o chão, uma mureta em ângulo protege os passantes no plano do pátio da queda no vão aberto, ao mesmo tempo em que cria a sensação visual de continuidade entre os lados, sendo revestidas as muretas e as paredes internas da escada pela mesma lajota que recobre todo o piso do pátio.
O projeto Lacuna também propõe, em diálogo com a construção da intervenção arquitetônica propriamente dita, o desenvolvimento de um plano de comunicação e design para o entorno do Centro Universitário e outros pontos da cidade do México que se utilize de estratégias representativas do embate visual e gráfico ocorrido entre o projeto de comunicação e design para as Olimpíadas de 1968 comissionado pelo Estado e suas apropriações feitas pelo movimento estudantil, retomando a importância dos cartazes e referências visuais surgidas naquele momento.
Lacuna se dirige diretamente ao acontecimento específico do massacre dos estudantes ocorrido em 1968 na praça de Tlatelolco, articulando características deste evento bem referenciadas nos materiais e fontes históricas disponíveis, fotografias, relatos, vídeos, e textos. Ainda que seja assim, realizar uma simples busca pelo evento em sites de pesquisa comuns pode nos levar a um caminho em que se passa por diversos lugares de características singulares, mas que reconhecemos como familiares, próximos e de uma cultura comum. Há de mais prontamente reconhecível uma variação de escala, feita de números que variam, entre eventos da mesma natureza, em que procedimentos se repetem. Ler e ver o material produzido sobre estes eventos se assemelha a uma escavação permanente. A memória é espaço construído coletivamente. Todo este material histórico parece se opor, visualmente falando, a uma estética modernista que atua de forma articulada para a construção de uma nova leitura da cultura Mexicana pelos visitantes estrangeiros: o discurso arquitetônico e o design que se impõe como nova marca identitária comissionada pelo poder vigente. Hoje esta estética aponta para um passado de realização, mas em contraste com a marca da violência que é pressuposta à realização dos ideias de progresso. Deste modo parece lógico que retomemos este apontamento de intenções para um futuro perdido, hoje representante de um passado que suscita a nostalgia deste tempo promissor. A ideia de progresso demanda a obliteração de conflitos internos característicos de qualquer organização social e o projeto de comunicação para as Olimpíadas, assim como o design produzido para e a partir do evento assumiu a tarefa de dar visualidade a esta ideia. Daí a proposta de aliar a intervenção arquitetônica propriamente dita a um plano de comunicação que dê visibilidade ao conflito entre o plano oficial e suas resistências, e às contradições entre interesses e movimentos que estão no cerne dos acontecimentos históricos. Ou seja, pensar o espaço físico do Centro Universitário, e de seu entorno como um ponto de inflexão deste complexo de conflitos e lutas, fazendo-o dialogar com um plano de ações diretas nas mídias usadas pela comunicação oficial, abrindo brecha neste sistema para o contra discurso dos estudantes e população organizada politicamente.
Simbolicamente, adentrar a terra, o chão, está associado a retornar ao passado, ter acesso a o que foi enterrado, escondido, transpassar o limite entre o mundo dos vivos e dos mortos. A forma desta escada/dreno também remete à do altar de sacrifícios, e o escoar das águas aponta para a passagem permanente do tempo histórico, mas peculiarmente para a síntese destas temporalidades. A promessa, no entanto, das formas místicas, é a de transposição entre mundos, do ir além, de ultrapassar a linha que nos limita fisicamente. O movimento desta escada específica nos leva de volta a este mesmo presente que contém a todas as variáveis, a um tempo não linear, feito de todas as repetições, ao plano do real político que articula todas as possibilidades.
A ocupação do espaço do pátio do CCUT`s para o qual se propõe a intervenção é formado pelo vazio entre volumes de construções e o projeto faz referencia à posição ocupada pela massa de estudantes quando do massacre. O L desenhado pela escada que corta o chão do pátio nesta proposição remete justamente ao trajeto dos projeteis disparados em fogo cruzado, mas a forma em L também se presta de modo muito eficiente ao deslocamento do corpo do participante: perfazer o trajeto em L significa para quem desce ou sobe não ter acesso visual ao movimento subseqüente, e deste modo não antever o momento seguinte. É preciso seguir até o fundo da composição para então encontrar o caminho de volta. Algo mais forte quando percebido ou vivido, do que quando se relata.
desenhos técnicos: victor pissaia.