curadoria e texto crítico, projeto jardim imaginário, fundação ema klabin.
Repeteco
Para “Trepa-trepa”, de Paulo Climachauska
1
A repetição de elementos autônomos facilmente reconhecíveis, que de outra sorte talvez existissem apenas para o simples jogo de combinações aleatórias e sem pretensão de resultado, quase sempre se deixa contaminar por uma obsessão pelo método, pelo cálculo, por alguma previsibilidade. O raciocínio que guia uma demonstração linear para a solução de um problema de lógica se nutre da vontade de construção, cujo valor reside em sua reprodutibilidade ao infinito. A repetição obsessiva dos procedimentos e meios de chegada aos espaços já habitados nos assegura: apropriamo-nos de algo, chegamos a saber de algo, a desvendar um segredo – ainda que as perguntas de maior peso continuem intactas. Gestos que integram a construção de nosso aprendizado infantil são repetidos em cada etapa de nossa vida adulta, em cada conquista de linguagem. A fala, cheia de conexões e relações que sustentam sistematicamente as maiores sutilezas, parece remontar, a cada esforço de expressão, ao mero ajuntamento de uns poucos módulos primários, similares entre si, mínimo denominador comum em todo conjunto de elementos que vivem (e sobrevivem) por economia. A repetição de movimentos repisa o meio em que os tais fonemas, enquanto simulam aleatoriedade, aos poucos vão criando a argamassa que os sustenta uns aos outros, como as peças de um brinquedo de montar. Dadá, tatibitati, mau-mau, come-come, trepa-trepa.
Em que momento o corpo em desenvolvimento imagina já ter ganho estrutura suficiente para apontar para fora de si e lançar-se em uma estrutura que a um só tempo nos acolhe e nos cerca, afasta e desafia?
2
O corpo de estruturas metálicas que ocupa o jardim da Fundação Ema Klabin - um conjunto de brinquedos que já foram mais comuns em nossos parques e praças, chamados trepa-trepas -, até poderia ser visto, neste ponto da trajetória de Paulo Climachauska, como uma forma de concessão, como que para oferecer ao visitante um desfrute nostálgico de um jogo fácil, feito de objetos guardados e realçados por nossa memória infantil sempre disposta a esconder quedas e traumas na edição das mais belas cenas ensolaradas em que conquistamos sem esforço todos os cumes, topos e planos superiores.
Numa segunda visada, porém, pode mostrar-se até como autoironia. Afinal Trepa-trepa não deixa de ser uma espécie de fazer hipertrófico desta outra versão de acumulação versus esvaziamento que corresponde à série de adições e subtrações presentes no trabalho do artista já há algum tempo. Como se fosse possível fazer retroceder em dificuldade de abstração seu mecanismo de trabalho, mantendo ainda o mesmo recurso que expõe a racionalidade das construções modernas e sua discursividade, sem deixar, no entanto, de denunciar a demanda de pseudo ludicidade que tem dado estofo ao molde imposto para representação de nossa cultura. Para um certo círculo influente de negociantes que pretende decidir o alcance de nossa experiência, não devemos esperar de uma obra de arte mais do que recebemos de uma massagem grátis: um relaxamento rápido entre uma transação e outra.
Mesmo ocupando um gramado, esta composição que tem nas estruturas pré fabricadas seu módulo básico, e que leva o nome mais usual do brinquedo do qual se apropria, deixando à vista tudo o que poderia nos conectar com o universo do brincar, mantém afastada de si a interatividade fácil, embora pague o alto preço que significa admitir nossa derrota para o método, o cálculo, a busca de solução que só alimenta o problema.
3
Um desdobramento da estrutura que ocupa o jardim externo da casa ocorre no jardim interno - ou seria o contrário? - redirecionando os questionamentos da situação criada anteriormente, com certa dissimulação, ao tema do colecionismo. A repetição da composição anterior alterada por um jogo de escala parece revelar de forma irrecorrível sua inacessibilidade. Talvez isto se deva ao papel dado à miniatura, deixada ali como índice de uma conquista anterior, que o tempo faz parecer cada vez maior. Talvez pela oferta da ilusão de controle sobre a situação anterior, ou de manipulação, por conta da representação da estrutura em escala de manuseio. Um momento apartado, que nos obriga a uma avaliação acerca do quê, ao longo de mais um processo repetitivo, fomos capazes de nos apropriar brincando.
Gilberto Mariotti
_
foto: vicente de mello
Repeteco
Para “Trepa-trepa”, de Paulo Climachauska
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A repetição de elementos autônomos facilmente reconhecíveis, que de outra sorte talvez existissem apenas para o simples jogo de combinações aleatórias e sem pretensão de resultado, quase sempre se deixa contaminar por uma obsessão pelo método, pelo cálculo, por alguma previsibilidade. O raciocínio que guia uma demonstração linear para a solução de um problema de lógica se nutre da vontade de construção, cujo valor reside em sua reprodutibilidade ao infinito. A repetição obsessiva dos procedimentos e meios de chegada aos espaços já habitados nos assegura: apropriamo-nos de algo, chegamos a saber de algo, a desvendar um segredo – ainda que as perguntas de maior peso continuem intactas. Gestos que integram a construção de nosso aprendizado infantil são repetidos em cada etapa de nossa vida adulta, em cada conquista de linguagem. A fala, cheia de conexões e relações que sustentam sistematicamente as maiores sutilezas, parece remontar, a cada esforço de expressão, ao mero ajuntamento de uns poucos módulos primários, similares entre si, mínimo denominador comum em todo conjunto de elementos que vivem (e sobrevivem) por economia. A repetição de movimentos repisa o meio em que os tais fonemas, enquanto simulam aleatoriedade, aos poucos vão criando a argamassa que os sustenta uns aos outros, como as peças de um brinquedo de montar. Dadá, tatibitati, mau-mau, come-come, trepa-trepa.
Em que momento o corpo em desenvolvimento imagina já ter ganho estrutura suficiente para apontar para fora de si e lançar-se em uma estrutura que a um só tempo nos acolhe e nos cerca, afasta e desafia?
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O corpo de estruturas metálicas que ocupa o jardim da Fundação Ema Klabin - um conjunto de brinquedos que já foram mais comuns em nossos parques e praças, chamados trepa-trepas -, até poderia ser visto, neste ponto da trajetória de Paulo Climachauska, como uma forma de concessão, como que para oferecer ao visitante um desfrute nostálgico de um jogo fácil, feito de objetos guardados e realçados por nossa memória infantil sempre disposta a esconder quedas e traumas na edição das mais belas cenas ensolaradas em que conquistamos sem esforço todos os cumes, topos e planos superiores.
Numa segunda visada, porém, pode mostrar-se até como autoironia. Afinal Trepa-trepa não deixa de ser uma espécie de fazer hipertrófico desta outra versão de acumulação versus esvaziamento que corresponde à série de adições e subtrações presentes no trabalho do artista já há algum tempo. Como se fosse possível fazer retroceder em dificuldade de abstração seu mecanismo de trabalho, mantendo ainda o mesmo recurso que expõe a racionalidade das construções modernas e sua discursividade, sem deixar, no entanto, de denunciar a demanda de pseudo ludicidade que tem dado estofo ao molde imposto para representação de nossa cultura. Para um certo círculo influente de negociantes que pretende decidir o alcance de nossa experiência, não devemos esperar de uma obra de arte mais do que recebemos de uma massagem grátis: um relaxamento rápido entre uma transação e outra.
Mesmo ocupando um gramado, esta composição que tem nas estruturas pré fabricadas seu módulo básico, e que leva o nome mais usual do brinquedo do qual se apropria, deixando à vista tudo o que poderia nos conectar com o universo do brincar, mantém afastada de si a interatividade fácil, embora pague o alto preço que significa admitir nossa derrota para o método, o cálculo, a busca de solução que só alimenta o problema.
3
Um desdobramento da estrutura que ocupa o jardim externo da casa ocorre no jardim interno - ou seria o contrário? - redirecionando os questionamentos da situação criada anteriormente, com certa dissimulação, ao tema do colecionismo. A repetição da composição anterior alterada por um jogo de escala parece revelar de forma irrecorrível sua inacessibilidade. Talvez isto se deva ao papel dado à miniatura, deixada ali como índice de uma conquista anterior, que o tempo faz parecer cada vez maior. Talvez pela oferta da ilusão de controle sobre a situação anterior, ou de manipulação, por conta da representação da estrutura em escala de manuseio. Um momento apartado, que nos obriga a uma avaliação acerca do quê, ao longo de mais um processo repetitivo, fomos capazes de nos apropriar brincando.
Gilberto Mariotti
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foto: vicente de mello